sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

CARTAGENA DAS ÍNDIAS FONTES DEOBSERVAÇÃO

                          


Em face da morte de Pingo de Percia meu filho, amigo e companheiro e diante da dor que afasta a saudade e impõe uma exclusão em relação ao mundo e a própria vida, resolvi ir até Cartagena da Índia na Colômbia. Novembro de 2015, algumas semanas depois do seu falecimento. A escolha se deu porque não conseguia ficar em casa sem meu querido e amado cão. O vazio e o silêncio desolador do meu apartamento montava um ambiente insuportável. Pingo de Percia era um belíssimo e irrequieto Fox terrier conhecido como paulistinha. Ocupava todos os espaços ao mesmo tempo, dormia na minha cama e impunha as normas da casa. Eu humildemente fazia parte da matilha ele era quem mandava. Toda essa envolvência só me trouxe muito amor e aprendizado.

Os dias e anos, juntos, se passavam os meus cabelos cada vez mais embranqueciam com adesão os pelos curtos do Pingo seguiam o mesmo destino. Tinha manchas negras perfeitas, largas, geométricas montando uma composição visual de dar inveja a qualquer artista de renome. O lema do Pingo quando eu o provocava ou quando usava o seu instinto de caçador era: - Quem Ama morde. Poucas vezes perdia a paciência com ele. Na nossa vida conjunta passamos a ser um só corpo. Os amigos sempre perguntavam por ele, onde eu estivesse, falavam nele e eu mostrava as fotos que enchiam o meu celular ou máquina fotográfica. Um garanhão. Foi um excelente reprodutor e sempre a minha casa era transformada em um harém.
Minha fuga para Cartagena me obrigou propositalmente a caminhar muito e a enfrentar um calor fortíssimo. Propositalmente queria cansar o meu corpo para desanuviar um pouco o meu luto. De manso a cidade foi me envolvendo. Fiquei em um hotel simples e confortável dentro das muralhas, junto ao centro histórico. Nessa nova escala aos poucos se impunha um cenário impar, diferenciado por construções desde o século XVII - um acervo arquitetônico cativante. A vida cosmopolita que estava sempre ao meu lado tinha desaparecido para dar lugar a enfileiramentos de casarios, balcões floridos e relíquias de portas e janelas com marcenaria, marchetarias e serralheria para jamais esquecer.

Novos signos da América Central ou do chamado Caribe Colombiano se misturavam diante de mim, as diferenças eram perceptíveis. O meu senso de observador gradativamente ia se amoldando ao meu olhar. Como me apresentei à cidade de Cartagena? Espontaneamente sem rumo definido.   O crítico e o poeta se tornaram um pouco mais fortes em face das idiossincrasias da vida, apesar de várias vezes ter me surpreendido chorando.
A imagem histórica e o diferenciar dos habitantes mostravam seus repertórios para mim.  Tudo ao meu redor se apropriava do meu pensamento, funcionava como uma hipnose para combater o meu sofrimento. Cada canto me contava uma história, articulava discursos e juntava figuras imaginárias entrando sem pedir licença. O tempo organizava minha agenda em relação à arte na América Latina e as redescobertas eram assimiladas. Desde perspectivas, sons, cores, vielas, calçadas, pedras, ferro, esmeraldas, tecidos, palhas, frutas até o prolongamento da minha dor – Tudo estava sendo reformulado e o meu inconsciente à medida que penetrava naquela cidade se modificava.

Tinha conhecimento dos simbolismos, arquétipos, dos sinais, da literatura e das artes plásticas através de diferentes meios de comunicação o que não afere a mesma emoção do que estar diante do real aqui nessa cidade. O conhecimento comedido que eu tinha da arte e dos demais componentes de Cartagena dava-se em parte, por falar outro idioma: o português (domino tanto na leitura quanto no falar o espanhol). O estudo da arte na Américas vinha em parte via Europa ou Estados Unidos e com isso se abria uma lacuna, pois os padrões passados não eram condizentes com os que me deparo. A comunicação agora é correta, direta e a assimilação é mais credenciada. Os dois polos artísticos iniciais vistos foram o sítio histórico em seguida os usos e costumes do povo que para mim surgiram como personagens de uma obra cênica.

As relações de dominação ainda são aparentes e elas se revelam nos mínimos detalhes. Não há resistência que enfrente a corrupção, o trafico de drogas, o despreparo dos políticos, uma economia instável e as “novas” edificações feitas em nome do progresso. Esse efeito é globalizado pernicioso. As referências incorretas voltadas para o exterior num desprezo dos valores autóctones acarretam danos irreversíveis.
A adoção de suportes referenciais do país como a arte pré-colombiana pouco aparece entre os artistas contemporâneos. É uma desqualificação subliminar adquirida ao longo dos anos. Como ir de encontro a esse processo que vira as costas para uma latinidade riquíssima? e se curva perante uma dominação de fora para dentro. Há um tipo de “arte” chamativa ou própria das republicas das bananas voltada para o exotismo, moldado em gosto duvidoso para estrangeiro ver. A arte é um segmento vital e não pode ser controlado por sistemas. O fazer artístico não é isolado. É preciso que críticos, professores, marchand, gerenciadores, curadores, autoridades estejam ligados a uma economia fortifique a produção da arte. 

Após visitar toda a parte histórica e admirar os casarios floridos e a diferenciada culinária. Complementei minha estada indo aos museus e a procurar artesanatos de regionais de qualidade. Por sorte esbarrei com uma bela cadela dálmata que sem perceber. Diante das festas, lambidas, pulos, carícias à dona da perra se aproximou e me pediu desculpas pelo incomodo. Mediante esse assédio descobrimos ter uma afinidade em comum ambos estávamos atrelados à arte. Norma Isabel Uparela representante de artistas colombianos. Proprietária de um escritório “ArtCartagena” a poucos metros do meu hotel. Apresentei-me como crítico e de imediato recebi o convite para conhecer algumas referências da arte Colombiana.  O encontro se deu alguns dias depois, gentilmente foi me apanhar no hotel.
Partes de umas significativas obras de artistas me foram mostradas com uma descrição detalhista. Fora dos “padrões” da América Latina onde a prepotência da cultura externa está presente e traz sequelas.  É sabido e comprovado como funciona o aval de ser um artista contemporâneo, na maioria obedecendo a um gosto gerenciado. A arte imediatista sem conteúdo e que só visa o lucro em face do modismo e amplamente posta em pratica pelo circuito da arte.

Conheci a obra de Alfredo Piñeres artista autodidata reconhecido como um expoente da arte popular na Colômbia. De família pobre e infância pobre imigrou para a cidade em face do campo não lhe oferecer condições. Um artista nato começou na faixa dos 40 anos. Hoje é o pintor dos cartageneros. Hoje artista assumido tem uma figuração em que retrata todas as nuances do seu povo e vive da sua arte. A recordação da sua infância é tema também para sua obra, sua família, seus amigos, vizinhos e acontecimentos significativos da sua vida.   Pedro Ruiz como uma figuração onde predomina o belo se engaja em um figurativismo lírico e ao mesmo tempo doloroso, pois denuncia com suas composições elaboradas e detalhistas questões como o desmatamento, o êxodo, o plantio da papoula e o seu visual nas múltiplas interpretações. “Oro Espiritu y Naturaliza de um Territórios” é outra visão da Colômbia. Ruiz adentra para instalações onde o seu estilo é de imediato reconhecido. Há um paralelo entre o seu preciosismo e detalhes nas suas composições em tela sobre tinta e o engajamento em outros suportes como desenhos, colagens e instalações.

 Na visita ao Museu de Arte Moderna de Cartagena conheci in loco as obras de Ofélia Rodríguez - artista original e legitimada inclusive no exterior. Sua obra remete-nos de imediato à cultura colombiana. Desde ensembles de pinturas, colagens, objetos. Suas obras anexam objetos do cotidiano que integram um espaço com cores fortes.   O figurativo, geométrico, a ilusão e as múltiplas representações acenam para uma artista fincada na atual produção da arte contemporânea sempre com sinalizações do seu país. Tanto a arte popular quanto as influências de escolas conceitualistas como o Dada integram sua obra. Sua formação inicial foi na Colômbia e nos Estados Unidos o que lhe proporcionou contato com uma variedade de praticas artística e a pôs em contato com espaços e profissionais renomados.

É notório que a modernidade de países mais desenvolvidos sofreu fortes influências da arte pré-colombiana e africana. Os sistemas de arte nos diferentes países latinos americanos necessitam ser revistos para que se possa mostrar os reais valores e contribuições dessa arte em todo o mundo.


segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Como Fazer Arte Sem Ceder aos Modismos


O início do século XX já imprimia fortes mudanças em todos os setores da sociedade, inovações constantes colocavam em desuso a maioria dos objetos, substituindo-os por outros mais arrojados e producentes.
O Homem hipnotizou-se com tal procedimento. Gradativamente, o ritmo mudou-se para atender às exigências e solicitações do novo cotidiano.
A centralização da população nos grandes centros urbanos, a partir dos meados dos anos 50 trouxe, pouco a pouco, transformações radicais no comportamento da massa.Criaram-se oportunidades decorrentes, da mão de obra industrializada.E a população rural  seduziu-se pelo novo Eldorado! Plantava-se, assim, a semente do neo-social, onde as práticas do trabalho soavam distantes da realidade e não correspondiam à democracia desejada.
Tais períodos não passam despercebidos nas investigações plásticas. Sente-se a distância da condição existencial de Cézanne e Van Cogh e a aproximação de um universo ilimitado, repleto de seduções. Daí surgir a questão: como se manifestar sem ser engolido por fenômenos que mexem com descensão de conceitos,sem ser manipulados por “invenções” que surgem a todo momento sem  consistência?
Agora, o século XXI traz bojo etapas difícil de interpretar. A “pobreza” existe, atingindo inclusive países desenvolvidos, estes são criadouros dessa arte nada significativa. A globalização aparece como meio, não conseguindo amenizar problemas suscitados pelo novo capitalismo. No que se refere à arte, a criação sofre de patologia similar, reivindicando um saber que despreza o espectador. Esquece-se do núcleo que é público, pois ele praticamente define a legitimação do fazer. A crise presentifica-se nos períodos de entremeios, atendendo a fluxos temporários no circuito das Artes. São improvisações que refletem o momento e, por isso, não devem ser descartadas, mas longe estão da riqueza da produção artística dos meados do século XX.
Torna-se assim difícil observar atentamente tendências coerentes e identificar possibilidades que indiquem uma relação consistente do Homem com a criatividade. Entre os sintomas da perda de identidade compatível com a atual proposta política, a arte surge cheia de “explicações”. Há uma obrigação discursiva para avaliar a criação. O campo das artes plásticas transforma-se em púlpito, onde o artista surge imbuído da tradição oral.
Em larga escala a preocupação como o domínio e utilização dos meios instrumentais e do conhecimento da matéria são deixados para trás, para se criar a configuração discursiva. Trata-se, portanto, da defesa acirrada da prática artística tentando erguer qualidades abstratas envoltas em particularidades. A produção artística necessita de animação, é certo, porém, a arte não pode fugir à arte e, queiram ou não,a tela,com seu suporte tradicional, continua sendo,também o grande desafio de cada criador.
Vicente de Percia
 “O Correio”, Ano VI, Nº 113, Rio de Janeiro,2000


sábado, 24 de outubro de 2015

VAMOS FALAR DO ÍNDIO E DA SUA CULTURA

Em benefício de grandes empresas, Lei da Biodiversidade está prestes a produzir um  absurdo: cobrar pelo uso comercial de plantas brasileiras, sem remunerar povos que nos ensinaram a conhecê-las
Por Nurit Bensusan, no Instituto Socioambiental
Há cerca de uns dois meses, no lançamento dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, a presidente Dilma Rousseff saudou a mandioca como uma das relevantes conquistas do Brasil. Foi alvo de inúmeras piadas. Toda essa gozação foi extremamente reveladora: revelou a ignorância, a prepotência e o espírito colonizado de seus autores.
Por que ignorância? A mandioca é, de fato, uma importante conquista desse território. Conquista que data de cerca de sete mil anos atrás, quando a planta foi domesticada. De lá para cá, centenas de variedades foram desenvolvidas pelos povos indígenas amazônicos, em um trabalho de seleção e melhoramento, com resultados equivalentes ao que é feito por cientistas e empresas agrícolas.
Por que prepotência? Como a mandioca foi domesticada pelos índios e é cultivada por esses povos e por comunidades tradicionais, tende a ser vista como um alimento de segunda categoria, não tão importante como o trigo ou o arroz. Esses, sim, seriam exemplos dignos das conquistas da nossa espécie. Ou seja, aqueles que fizeram piada com a declaração da presidente valorizam o que a “ciência” e a “tecnologia” fazem, mas não estão dispostos a reconhecer o valor do conhecimento tradicional dos povos indígenas.
E por que espírito colonizado? Porque o que vem daqui, o que é desenvolvido por nós ou por povos indígenas que vivem ou viveram nesse território não merece reconhecimento. Nem a mandioca, nem a cultura e a língua dos índios, nem a nossa biodiversidade, nem nada. Quantos por aqui sabem que nesse país se falam quase 200 línguas? Quantos dão valor a essas culturas? Mas quantos acham interessantíssimo que na Espanha se fala basco e catalão, além do espanhol?
Apesar desses elementos estarem presentes no nosso cotidiano com muita frequência, talvez o melhor lugar para apreciá-los seja a discussão da nova lei de acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional a ele associado, a chamada Lei da Biodiversidade (nº 13.123/2015). Depois da desastrosa tramitação e aprovação, acontecem agora os debates sobre sua regulamentação – e eles têm sido reveladores. A facilidade com que o setor empresarial, principal usuário do patrimônio genético, concorda em criar dispositivos para proteger, rastrear e remunerar os conhecimentos tradicionais que serão, teoricamente, acessados pode surpreender os desavisados. A verdade é que isso acontece porque a maior conquista, o que realmente faz diferença para eles, já está na lei e não pode mais ser modificado: trata-se da separação total entre patrimônio genético e conhecimento tradicional.
A nova lei separou completamente o conhecimento tradicional do patrimônio genético, estabelecendo dois sistemas diferentes de acesso e de repartição de benefícios. Assim, o acesso ao patrimônio genético, independente de onde é feito, não precisa de consentimento prévio informado de ninguém e a repartição de benefícios é sempre feita com a União. O acesso ao conhecimento tradicional segue outros trâmites, que incluem a obrigação de consentimento prévio informado e de um acordo de repartição de benefícios 

MÁQUINAS MORTÍFERAS

Num experimento antropológico, fotógrafo “retira” smartphones de seus usuários e revela como a mesma tecnologia que conecta seres humanos pode torná-los isolados e egocentrados
O fotógrafo norte-americano Eric Pickersgill removeu os smartphones e outros dispositivos digitais de alguns retratos cotidianos para criar a série “Removed”.
O objetivo do trabalho é mostrar como a tecnologia e a hiper conectividade estão deixando as pessoas isoladas e solitárias.
A inspiração para criar o projeto veio de uma cena observada num café em Nova York em que uma família sentada perto dele mostrava-se humanamente ‘desconectada’ mas digitalmente conectada.
Segundo ele, não havia muita conversa, o pai e as duas filhas estavam com seus smartphones na mão enquanto a mãe não tinha ou optou por não utilizar o seu e olhava tristemente pela janela, solitária na companhia de sua própria família, enquanto o pai soltava comentários esporádicos e sem sentido sobre alguma coisa que surgi em sua tela.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

DESCOBERTA IMPORTANTE DE UMA CIVILIZAÇÃO MAGISTRAL

Relevo maia de 1.400 anos é descoberto na Guatemala

Um relevo maia de 1.400 anos qualificado de "o mais espetacular já visto" foi descoberto em um centro arqueológico do norte da Guatemala, informou o arqueólogo Francisco Estrada-Belli.
"Este é um achado extraordinário, que acontece apenas uma vez na vida de um arqueólogo", disse Estrada-Belli à imprensa.
A descoberta foi realizada no centro arqueológico pré-colombiano de Holmul, no departamento de Petén, 600 km ao norte da capital guatemalteca e na fronteira com México e Belize. Estrada-Belli precisou que o relevo foi encontrado em julho passado, em uma pirâmide maia do ano 600 d.C.
"O relevo tem oito metros de comprimento por dois de altura e está na parte superior de um prédio retangular (...). São imagens de deuses e governantes divinizados, com seus nomes. O texto abre uma janela sobre uma fase muito importante na história da época clássica maia", entre os anos 250 e 900 da nossa era.
A composição inclui "três personagens principais, vestindo ricos trajes de plumas de quetzal (ave nacional da Guatemala) e jade, sentados sobre cabeças de monstros". Na parte de cima do relevo, há uma faixa com símbolos astrais conhecida como "banda celestial", que indica que as figuras representadas estão no mundo dos deuses e ancestrais.
Para o arqueólogo, trata-se de "uma grande obra de arte, que também nos proporciona muita informação sobre a função e o significado do prédio, o que era o enfoque da nossa pesquisa". O relevo foi encontrado durante as buscas de uma tumba que "continha os restos de um indivíduo", supostamente "um governante ou um membro da elite dessa cidade".

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

PER JOHN ESCRITOR BRASILEIRO - OBRA VISTA PELA HISTORIADORA MARY DEL PRIORE

Per Johns: um ficcionista de todas as estações.


Existem casos excepcionais em que paisagem e homem se imbricam. Esse é um deles. O homem, no caso é o poeta, ficcionista, tradutor e ensaísta, Per Johns. A paisagem, a da serra teresopolitana. Cercado de velhas árvores, da silhueta das montanhas, do cheiro da terra molhada, de luares que palpitam como borboletas brancas, de cães quase humanos, dos pássaros cuja linguagem ele fala, o escritor vive, entre angústia e prazer, o que chama de obsessão: “ a mim me parece, que escrever é antes de tudo uma estranha obsessão, obsessão de ver, mas trata-se, no caso, de ver por dentro e não por fora”.
Homem de duas culturas, a brasileira e a dinamarquesa, bilíngue, formado em Direito, Per Johns é autor de seis romances, de um livro de ensaios, de diversas publicações no exterior, em dinamarquês, italiano e norueguês, além de ter  escrito diversos prefácios e posfácios. Tradutor celebrado dos contos de Hans Christian Andersen, e de obras de Karen Blixen, Ingmar Bergman e Henrik Stangeroup, teve seus romances As aves de Cassandra e Sonâmbulos, Amotinados, Predadores, publicados na Dinamarca. Membro do P.E.N Club do Brasil, em 2006 recebeu o prêmio de Ensaio, Crítica e História Literária da Academia Brasileira de Letras por seu livro Dionísio Crucificado, além de colaborar como crítico literário, na Europa e no Brasil em vários jornais entre os quais O Estado de São Paulo e O Globo.
Sua trilogia constituída por As aves de Cassandra, Cemitérios marinhos às vezes são festivos e Navegante de opereta, aplaudida pela crítica, é um jogo de espelhos com sua autobiografia e uma meditação sobre a identidade, que convida o leitor a apreciar a evolução dos temas de predileção do escritor.
E onde, a paisagem imbricada no homem? Em toda a sua obra. Há muito, o escritor vive entre a natureza e o mundo. Ali, ele dobra e redobra sua alma. Graças a mediação de sua escritura, ele celebra a vida, as paixões, os encontros, mas, também, os mistérios místicos e metafísicos que só tomam corpo no mundo natural. E a partir dele, Johns descreve um tempo desestabilizado pelo encontro com a modernidade e suas vicissitudes. Desse cenário nascem personagens que tentam se libertar de seu destino e encontrar certas verdades neles mesmos. Indivíduos que conhecem a solidão e o desespero junto aos homens, mas seguem buscando a ternura e a delicadeza, longe deles.  Em Dionísio Crucificado, um desses protagonistas, um cientista sueco diz:
Será que é tão inconcebivelmente difícil de aceitar um estilo de vida consideravelmente mais simples, em estreito contato com o solo e a floresta, as semeaduras e as colheitas, sob o sol e sob a chuva, em um programa industrial bastante reduzido?”
Espécie de Henri David Thoreau tropical, sentindo-se exilado em sua própria pátria, Johns faz seu protagonista se desvencilhar de hábitos e bens supérfluos e viver, com um mínimo necessário, numa palhoça à beira mar. Não o lago Walden, mas, sim, a vida nos bosques. Longe da auto-emulação dos grandes centros, da Babel em que o excesso de falas, conversas, gritos e ruídos querem nos fazer acreditar que, de fato, conseguimos nos comunicar, Johns busca na natureza, o silêncio deste espaço infinito do dentro. Espaço do eu. Espaço onde ele se acha no face a face, doloroso e complexo, no qual se pergunta: quem sou? Onde vou? Silêncio que lhe convida a experiências meditativas ou contemplativas que o conduzem para a terra prometida onde o corpo deve se calar para não conspurcar a alma. Johns não teria saudades daquele momento do Gênesis em que Deus ainda não havia criado o homem e a mulher?
Em sua torre-biblioteca construída voltada para a floresta, ele preza o silêncio. Ele o escuta e lhe dá um sentido para que se pareça com uma forma de linguagem ou de visão. De novo, em Dionísio Crucificado, e inspirado no esquecido filósofo brasileiro Vicente Ferreira da Silva, Johns diz: Nesse mundo midiático de mensagens que se superpõem, se aglutinam e se anulam (…) triturando-nos na sopa geral que nos alimenta e consome”.
Ele ouve o silêncio e o dá a ver o mundo.  Viver é saber ver. E enxergar o dentro e o fora, mas, não sem dor. No fundo, Johns sabe que contar e escrever, ou melhor, a sua “obsessão”, mais do que servir como remédio às dores, conserva as chagas vivas. E para completar, em conferencia no PEN Club do Brasil, expõe:
Melhor ainda, todavia, é não fazer nada, absolutamente nada, apenas ver a vida que passa com um olhar atento, embora não seja tão fácil como aparenta ser. É um talento com o qual se nasce. Não se aprende na escola. Tem gente que não sabe ver, ou, por outra, olha, mas não vê. Em todo caso não é automático, sobretudo se o ato de ver se fizer acompanhar adicionalmente do que se pode chamar de empatia, ou seja, da capacidade de se pôr na pele do que é visto, sentindo junto, em uníssono, não separadamente”.
Tal vidência e sua consequente empatia, nasce da possibilidade de, frente ao mundo, manter desejo e angústia como brasa adormecida. Brasa que se assopra, quando preciso, para voltar ainda mais forte.   
Novamente, de sua torre-biblioteca, mergulhado na concentração e na leitura, o escritor vê as margens. Não somente as que separam os dois Reinos, o animal e o vegetal, mas aquela que separa as identidades. O homem do Norte, daquele do Sul. As cores dos territórios gelados da Dinamarca, à palheta quente dos trópicos. A severidade nórdica e a malemolência brasileira. Duas culturas, duas raízes.  A conversa poderosa e direta com a palavra distante ou as próximas, o jogo de luzes recebidas e enviadas, tudo isso explode em Hotéis à beira da noite, romance mais recente publicado em 2010.
Nas palavras bem-ditas de seu editor, trata-se de “Uma lenta e tortuosa peregrinação aos confins da ancestralidade de si mesmo. Uma viagem rumo à medula extrema do ser, com escalas que se fazem não necessariamente em nenhum porto, mas em antigos e sombrios hotéis situados à beira da noite do esquecimento. Sempre em direção ao norte de suas origens, o narrador ambíguo dessa estranha travessia – um que transita à superfície do cotidiano, outro que emerge das profundezas – desfaz-se do nome, da nacionalidade, dos bens, dos impostos e contratos e, como o dinheiro que traz consigo, não tem pátria, mas apenas “o dom da leveza, da viagem, do nada que compra tudo”. Ao longo das páginas deste romance insólito e perturbador, Per Johns é quase como Sísifo em busca de uma identidade que lhe escapa e se esfarinha nas escarpas de sua ascensão e queda. Numa época e numa sociedade que só privilegiam o acúmulo de quinquilharias e inutilidades tecnológicas, a personagem nuclear de Hotéis à beira da noite se despe de tudo o que não seja ela mesma. E bem caberia a este romance único em nossa literatura aquele lema de Leonardo da Vinci: ostinato rigore. Rigor na escrita, na trama ficcional, nos diálogos e solilóquios, na concepção dualística e antagônica da personagem que nos conduz pelos labirintos da narrativa, na prosa exemplar que se move, fugidia, entre o poético e o filosófico”.
Em suas poesias, reunidas ao final do volume, verdadeiras canções entoadas num deserto, o leitor encontra um palimpsesto literário e humano que comove pela melancolia. Num excerto de A resposta de Deus, por exemplo, ele há de ouvir:
Se me sentisse irmão de meus iguais e desiguais, onde acharia meu inimigo?
Se o que buscasse estivesse onde estou, onde procuraria o que não sou?
Se o mundo estivesse pronto, irremediavelmente bem feito, que estímulo haveria para inventar, modificar, melhorar? E o que é pior (ou melhor para tartarugas e morcegos): o que seria de meu engenho?
Que Deus me perdoe, mas a vida perderia a graça, deixando-me uma única alternativa:
Desistir de viver.
Um grande escritor deve suscitar um sentimento de incompletude. Ele deve nos incitar a perguntar: o que esse livro significa para mim?  Johns é deles. Em seus livros ele nos oferece o aprisionamento na infinidade dos sentidos. Aprisionamento que é também libertação. Vamos escutá-lo:
Contumaz criatura. Por todos os meios tentei salvá-la de suas próprias artimanhas. Dei-lhe um olhar luminoso e a faculdade de perceber-se e perceber o mundo. Ao mesmo tempo em que vive, paira sobre a vida. Excedi-me talvez ao conceder-lhe também o arbítrio de escolher entre ser espelho de meu Opus perfeito ou motor de um mundo pior.
Aparentemente, foi demais. Desnorteada, a criatura preferiu encerrar-se ensimesmada na construção de uma obra exclusivamente humana, de onde expulsou o resto da criação. E em que consiste essa obra? Em inventar labirintos escuros e imitar-me, mas suas criações não passam de caricaturas”.
Contra a insensibilidade e as inquietações contemporâneas, Johns que gosta das “iluminações orientais” nos faz pensar nos poetas da dinastia Tang que ensinam, sem cessar, que na vida pública todos os esforços são essencialmente absurdos. É preciso, ao contrário, passar o maior tempo possível no mundo natural. Certa melancolia indignada, o humor leve, o amor indestrutível da vida, uma inspiração e meditação que abole as fronteiras entre os Reinos, a sabedoria sobre os segredos da alma, os assombramentos metafísicos marcam os caminhos deste criador de voz única e inimitável, capaz de desenhar, em nossas Letras, as paisagens novas da alma.

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Mary del Priore

sábado, 8 de agosto de 2015

FRIA CONQUISTA



 Entre o mar e a terra
                                     os sóis e os planetas
                                                                            o Homem e o infinito,
existe sempre uma pergunta
que oscila em nossas mentes.

Firmando em nós
a absorvição do oxigênio pelas narinas
e a diluição dos pensamentos
na atmosfera impura.

Arrastamo-nos na ânsia causada
Pelo encalço da nova mensagem teleguiada
que nossa mente captou.

E aquiescemos inconscientemente
                                                         tão certos que estamos
                                                                               do prazer obtido.

Sobre as mais simples ramagens
que outrora desprezávamos
na volúpia do progresso,
existia o vigor da vida.
Que se refletia em sombras naturais
                                                              onde nossos corpos dormiam.
A leva da vida inquieta,
traz o conforto intranquilo,
ditado por normas comprovadas
que tolhem o despir dos pés.

Sobre as mais simples ramagens,
tão esquecidas,
tão imitadas em nossos dias,
há o relax inconsciente no móvel esperado,
                                           antevendo a fria conquista.
                                                                            Vicente de Percia
Do livro " Brasil da Silva, Mistério de Chorrar", edit/ Achiamé, RJ.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

MOSTRA INDAGATÓRIA E QUESTIONADORA


Em um dos principais paredes do edifício da Universidade Nacional Sindu pendurado uma série de fotos em preto, que, ao menor pincel com qualquer outro material, começam a desaparecer e branco. São imagens de a notícia mais importante nos últimos meses que o artista Juan Mejia Cali pintados com tinta removível. Eles não usam nome ou explicação, mas alguns são fáceis de identificar. Entre elas está a famosa cena em que o jornalista americano James Foley ajoelhado no meio do deserto com jihadi John trás, vestido de preto brandindo uma faca aparece. O trabalho de Mejia é intitulado Pentimento e quer que o visitante a refletir sobre dois fenômenos: 1) A notícia é fugaz; 2) que ao longo do tempo, o contexto em que surgiram está desaparecendo e acabam imagens como individuais que podem ser interpretadas de várias maneiras. 


Pentimento faz parte da Exposição Regional XV de Artistas direito Efémero Museum Center esquecimento, que será aberto ao público em vários edifícios da Universidade Nacional de 05 de agosto. A exposição, como o próprio nome indica gira em torno do conceito de esquecimento eo que isso implica. Revivendo o município rural de cozinha Oicata Branco Ocasião, exemplo -para usa fotografias para lembrar lugares e tradições estão sendo perdidos, enquanto que este é o meu caminho, Miguel Canal, mostra através de imagens deteriorado por fungos que até fotos e filmes têm uma data de validade. 
Os curadores, Maria Soledad Garcia e Cristina Lleras, queria mostrar um edifício do museu de memória diferente, mas não esquecido. Por isso, funciona como Pentimento e Histórias Luz Angela Lizarazo Garden, um desenho gigante com as sementes que serão expostos na praça de pós-graduação ciência edifício Humanas- vai desaparecer ao longo da exposição. Mas a proposta curatorial não é deixado sozinho sobre o assunto. 

sociedade si -explican tende a associar a verdade com a memória. Mas vários estudos científicos têm demonstrado que a relação entre os dois não é tão simples como se poderia pensar. As pessoas tendem a lembrar um evento diferente e a memória deste está mudando ao longo do tempo. Em 2000, o cientista austríaco Eric Kander ganhou o Prêmio Nobel de Medicina por suas descobertas no campo da neurobiologia mostrou que entre outras coisas que a memória envolve esquecimento. Em outras palavras, é fisicamente impossível fazer lembrar absolutamente tudo e também desempenha um papel importante na perspectiva do passado. 

Esses fenômenos aparecem uma forma ou de outra nos trabalhos da exposição. Taming rinocerontes, Oscar Ayala, se apossar de um pequeno rinoceronte estranhamente pintados no teto do Museu Casa del Escribano Real Juan de Vargas, para discutir o património cultural de Tunja e como a comunidade foi se apropriar. O desenho deste animal exótico levantou todos os tipos de histórias. Acredita-se que veio graças a uma gravura do artista alemão Albrecht Dürer, que começou a circular no século XVI, mas ninguém sabe ao certo a sua origem. 

Através de placas cheias de palavras pomposas que não dizem muito, imperfeito Juan David Laserna convida os visitantes a refletir sobre como os eventos históricos e seus protagonistas importantes são lembrados. As placas nem sempre dizem o que realmente aconteceu e ao longo do tempo tendem a perder o impacto que tiveram uma vez na sociedade. O trabalho do Laserna pode muito bem passar por originais. A mentira é revelada somente quando ler. 
E por falar em eventos históricos em Dois mais dois é igual a cinco Monica Paez recorda uma ocorrência que raramente é discutido e, embora descrita como "o grande roubo do século na Colômbia" na época. Em Outubro de 1994, um grupo de ladrões entrou nos cofres do Banco da República em Valledupar e levou 24.072.000 pesos. Pelo tamanho do assalto a banco que ele tinha que remover da circulação 2.000 ingressos, 5.000 e 10.000. Paez fez um monte antigas notas dessas denominações, mas já não têm qualquer valor monetário, no segundo andar da Faculdade de Direito e Ciências Políticas tornar-se obra de arte. 
A exposição é bastante diversificada. Nenhuma fotografia, desenho, vídeo, áudio e animação, entre outros, e é projetado para que cada visitante escolher o seu próprio caminho. Em um país onde a moda é tão longe o conceito de memória, vale a pena ir para este museu do esquecimento para refletir sobre suas implicações, seus limites e sua relação com a verdade.

GRANDE MOSTRA

Um dos maiores pintores orientalistas italianos, Ippolito Caffi, que também era patriota Risorgimento e acérrimo defensor da liberdade de Itália, e Maximiliano de Habsburgo, o primeiro governador da Lombardia e Veneto, em seguida, almirante da marinha austríaca, foram unidos por sua paixão e documentação Viagem Caffi localizado na jornada uma fonte constante de inspiração, entusiasmo e conhecimento;e pintura descritivo de lugares e eventos - tanto realistas e precisos como imaginativo e visionário - a verdadeira alma de sua arte; Massimiliano documentando tudo em Diário da escrita, onde fixa suas emoções.
Miramare Castle
Afinidades Eletivas agora chamado de volta para o Museu Histórico de Castelo de Miramare em Trieste, onde até 08 de dezembro e apresenta a exposição "Ippolito Caffi. Pinturas viajar entre Itália e do Oriente ", editado por Annalisa Scarpa. No edifício branco com vista para o promontório Trieste - onde Massimiliano iria manter a pintura comissão apenas Caffi, em 1857, para capturar o festival da noite em Veneza no dia após o casamento com Charlotte da Bélgica - mais de quarenta pinturas dos acervos da Fundação Civic Museum Veneza, durante muitos anos não expostas e parcialmente restaurado para a ocasião, irá reviver a viagem e sonhos, as invenções brilhantes e da arte cênica do pintor de Belluno.

Crimes de Stalin e Lenin

Morto historiador Robert Conquest 
Ele denunciou os crimes de Stalin e Lenin

Comunista na sua juventude, no livro "O Grande Terror", de 1968 disse aos trinta trágicos URSS: os ensaios dos espetáculos e expurgos, o Gulag e a fome induzida por Stalin

quinta-feira, 30 de julho de 2015

ASSIM FALAVA HEMINGWAY

Quando for velho quero ser um velho sábio, que não seja chato”, disse ele, fazendo uma pausa enquanto o garçom colocava diante dele um prato de aspargos e alcachofra e servia o Tavel. Hemingway provou o vinho e assentiu com a cabeça para o garçom. “Gostaria de ver todos os novos lutadores, cavalos, balés, ciclistas, damas, toureiros, pintores, aviões, filhos da puta, personagens de cafés, grandes putas internacionais, restaurantes, anos de vinho, notícias, e nunca mais ter de escrever uma linha sobre nada disso”, disse ele. “Gostaria de escrever muitas cartas para meus amigos, e receber cartas de volta. Gostaria de fazer amor bem até os 85, como Clemenceau. E o que gostaria de ser não é Bernie Baruch. Não sentaria em bancos de praça, apesar de poder caminhar no parque de vez em quando para dar de comer aos pombos, e também não teria uma barba comprida, para que houvesse um velho que não fosse parecido com Shaw”. Ele parou e passou as costas da mão na barba, olhando para o salão. “Nunca conheci o senhor Shaw”, disse ele. “Também nunca fui às cataratas do Niágara. De qualquer modo, gostaria de correr de charrete. Não dá para ser um dos melhores nesse esporte se você não tiver mais de 75 anos. Aí eu poderia arrumar um time jovem, talvez, como o senhor Mach. Só que eu não sinalizaria com um programa – para quebrar o padrão. Não decidi com o que sinalizaria. E, quando tudo se acabar, serei o cadáver mais lindo desde Pretty Boy Floyd. Só os idiotas se preocupam em salvar a alma. Quem diabos deveria se preocupar em salvar a alma quando o dever do homem é perdê-la de forma inteligente, da maneira como você venderia uma posição que está defendendo, se não consegue mantê-la, tão caro quanto possível, tentando fazer dessa posição a mais cara jamais vendida. Não é difícil morrer.” Ele abriu a boca e riu, primeiro sem som, depois alto. “Chega de preocupações”, disse ele. Com a mão, ele pegou um aspargo grande e olhou para ele sem entusiasmo. “É preciso ser um homem muito bom para fazer sentido quando se está morrendo”, disse ele.

sábado, 25 de julho de 2015

CONTRADIÇÕES

Cada período histórico elabora uma visão particular de mundo. Quando se trata de algo formal, sistemático e que estrutura a própria sociedade, podemos chamar essa visão de ideologia. As manifestações culturais e artísticas escapam à rigidez dos enquadramentos ideológicos. No entanto, artistas e intelectuais compartilham formas e métodos de captar os movimentos da atualidade, mesmo ao investigar o passado. Raymond Williams chamou de “estrutura de sentimento” esse modo dinâmico de perceber o mundo pelas artes. O conceito de Williams guarda semelhanças importantes com a noção de “consciência” de Antonio Candido, formulada no ensaio “Literatura e subdesenvolvimento”.
Na atual globalização, o Brasil mantém firme na ideologia da modernização conservadora, concebida no século XIX e que sobrevive aos mais distintos ocupantes do poder. Não é o mesmo caminho da modernidade, com emancipação e igualdade. Os brasileiros ainda tentam superar, pelo liberalismo, o que pensam ser o atraso nacional. Para Raymundo Faoro, a modernização é a grande questão nacional do Brasil. O contraponto a essa ideologia aparece nas “estruturas de sentimento” que, por meio das artes, dão uma visão mais apurada da atualidade e captam as oscilações do presente. Movimentos estes que demoram a ser percebidos e aparecem em romances, músicas e filmes.
Antonio Candido identificou três momentos históricos da consciência brasileira. O nascimento do Brasil, após a independência em 1822, possibilitou o surgimento de uma “consciência amena do atraso” para dar suporte à idéia de “país novo”, recém separado de Portugal. Os autores românticos se empenharam em elaborar um passado patriótico e esperançoso em relação ao futuro. A figura do índio predominava em romances e poemas, em detrimento do negro que era proscrito na sociedade imperial e escravista. Era uma base simbólica para criar uma nação sem negros. Na Europa, ocorria movimento similar de criação de representações históricas por meio da literatura.
Nos anos 1920 e 1930, emergiu uma segunda consciência. A literatura regionalista do Nordeste (Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, José Lins do Rego) e o ensaísmo social reconhecem a complexidade do atraso no Brasil. Na visão de Sérgio Buarque de Holanda, tratava-se de conhecer a “herança rural” e o arcaísmo que travam a nação e devem ser superados. Para Gilberto Freyre, a sociedade se desenvolveria pela miscigenação racial, gerando “democracia social”. A aproximação da literatura e do ensaio era grande, a ponto de o autor de Casa Grande & Senzala falar da necessidade de “introspecção proustiana” para quem fosse analisar a família patriarcal brasileira.
Os anos 1950, após a Segunda Guerra Mundial, trouxeram a “consciência dilacerada do subdesenvolvimento”. Trata-se da formulação de uma identidade que rendeu bons frutos na política e nas artes. Autores como Guimarães Rosa e Juan Rulfo ultrapassam o naturalismo do romance social de décadas anteriores e alcançam uma perspectiva latino-americana. Coincidem com as obras regionalistas/universais as grandes interpretações do período. Celso Furtado teorizou o subdesenvolvimento no final daquela década, enfatizando as relações dos países centrais do capitalismo e nações periféricas. Nestas, lançou-se o ideário da possível ultrapassagem do atraso na América Latina.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Lei de proteção cultural ameaça esvaziar museus da Alemanha

Projeto que prevê restrições a comércio internacional de objetos de arte gera pânico no setor. Georg Baselitz retira seus quadros dos museus. Gerhard Richter fala em atentado à liberdade e pode seguir exemplo.Sob fortes críticas, a ministra alemã da Cultura, Monika Grütters, apresentou nesta quarta-feira (15/07), em Berlim, o projeto de uma lei para proteção do patrimônio cultural nacional.
Ainda em forma provisória e sujeita a aprovação pelo gabinete federal, a regulamentação inclui a implementação, na legislação alemã, da diretriz da União Europeia pela defesa do patrimônio cultural de maio de 2014, assim como da convenção das Nações Unidas relativa ao assunto. Segundo Grütters, a meta principal é impedir o êxodo de objetos de arte para fora do país, inclusive colocando os acervos museológicos do país sob "proteção coletiva contra a exportação". No texto se define pela primeira vez, de forma vinculativa, o que constitui "patrimônio cultural nacional" – decisão que atualmente cabe, em primeira linha, a comissões estaduais.
Desde seu anúncio, há algumas semanas, o projeto de lei vem desencadeando atritos entre o governo federal e o setor de comércio de arte. Galeristas, colecionadores, marchands, leiloeiros e artistas acusam Berlim de pretender obstruir seriamente o comércio de arte transnacional.
A ministra da Cultura assegurou que, ao apresentar em Berlim o texto – que ainda passará passar por várias instâncias de controle –, ela quer trazer mais objetividade ao debate. Além disso, teriam sido escutados representantes do setor em todas as fases da discussão da lei. E acrescentou, num adendo mais revelador do que tranquilizador: "Proteção, a meu ver, não significa desapropriação."
Tiro pela culatra
O temor da desapropriação é, justamente, o motivo central da atual avalanche de críticas por parte dos que vivem da arte na Alemanha. O pintor Georg Baselitz foi o primeiro a dar passos concretos diante da aparente ameaça à sua produção artística, exigindo de volta todos os seus quadros emprestados a museus nacionais. As instituições implicadas já estão se preparando para a devolução.
Mayen Beckmann, neta de Max Beckmann (1884-1950), anunciou que igualmente pretende retirar dos museus as obras do artista representante do movimento pós-expressionista Nova Objetividade. A herdeira quer evitar o que classifica como "confisco" do patrimônio familiar.