sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

CARTAGENA DAS ÍNDIAS FONTES DEOBSERVAÇÃO

                          


Em face da morte de Pingo de Percia meu filho, amigo e companheiro e diante da dor que afasta a saudade e impõe uma exclusão em relação ao mundo e a própria vida, resolvi ir até Cartagena da Índia na Colômbia. Novembro de 2015, algumas semanas depois do seu falecimento. A escolha se deu porque não conseguia ficar em casa sem meu querido e amado cão. O vazio e o silêncio desolador do meu apartamento montava um ambiente insuportável. Pingo de Percia era um belíssimo e irrequieto Fox terrier conhecido como paulistinha. Ocupava todos os espaços ao mesmo tempo, dormia na minha cama e impunha as normas da casa. Eu humildemente fazia parte da matilha ele era quem mandava. Toda essa envolvência só me trouxe muito amor e aprendizado.

Os dias e anos, juntos, se passavam os meus cabelos cada vez mais embranqueciam com adesão os pelos curtos do Pingo seguiam o mesmo destino. Tinha manchas negras perfeitas, largas, geométricas montando uma composição visual de dar inveja a qualquer artista de renome. O lema do Pingo quando eu o provocava ou quando usava o seu instinto de caçador era: - Quem Ama morde. Poucas vezes perdia a paciência com ele. Na nossa vida conjunta passamos a ser um só corpo. Os amigos sempre perguntavam por ele, onde eu estivesse, falavam nele e eu mostrava as fotos que enchiam o meu celular ou máquina fotográfica. Um garanhão. Foi um excelente reprodutor e sempre a minha casa era transformada em um harém.
Minha fuga para Cartagena me obrigou propositalmente a caminhar muito e a enfrentar um calor fortíssimo. Propositalmente queria cansar o meu corpo para desanuviar um pouco o meu luto. De manso a cidade foi me envolvendo. Fiquei em um hotel simples e confortável dentro das muralhas, junto ao centro histórico. Nessa nova escala aos poucos se impunha um cenário impar, diferenciado por construções desde o século XVII - um acervo arquitetônico cativante. A vida cosmopolita que estava sempre ao meu lado tinha desaparecido para dar lugar a enfileiramentos de casarios, balcões floridos e relíquias de portas e janelas com marcenaria, marchetarias e serralheria para jamais esquecer.

Novos signos da América Central ou do chamado Caribe Colombiano se misturavam diante de mim, as diferenças eram perceptíveis. O meu senso de observador gradativamente ia se amoldando ao meu olhar. Como me apresentei à cidade de Cartagena? Espontaneamente sem rumo definido.   O crítico e o poeta se tornaram um pouco mais fortes em face das idiossincrasias da vida, apesar de várias vezes ter me surpreendido chorando.
A imagem histórica e o diferenciar dos habitantes mostravam seus repertórios para mim.  Tudo ao meu redor se apropriava do meu pensamento, funcionava como uma hipnose para combater o meu sofrimento. Cada canto me contava uma história, articulava discursos e juntava figuras imaginárias entrando sem pedir licença. O tempo organizava minha agenda em relação à arte na América Latina e as redescobertas eram assimiladas. Desde perspectivas, sons, cores, vielas, calçadas, pedras, ferro, esmeraldas, tecidos, palhas, frutas até o prolongamento da minha dor – Tudo estava sendo reformulado e o meu inconsciente à medida que penetrava naquela cidade se modificava.

Tinha conhecimento dos simbolismos, arquétipos, dos sinais, da literatura e das artes plásticas através de diferentes meios de comunicação o que não afere a mesma emoção do que estar diante do real aqui nessa cidade. O conhecimento comedido que eu tinha da arte e dos demais componentes de Cartagena dava-se em parte, por falar outro idioma: o português (domino tanto na leitura quanto no falar o espanhol). O estudo da arte na Américas vinha em parte via Europa ou Estados Unidos e com isso se abria uma lacuna, pois os padrões passados não eram condizentes com os que me deparo. A comunicação agora é correta, direta e a assimilação é mais credenciada. Os dois polos artísticos iniciais vistos foram o sítio histórico em seguida os usos e costumes do povo que para mim surgiram como personagens de uma obra cênica.

As relações de dominação ainda são aparentes e elas se revelam nos mínimos detalhes. Não há resistência que enfrente a corrupção, o trafico de drogas, o despreparo dos políticos, uma economia instável e as “novas” edificações feitas em nome do progresso. Esse efeito é globalizado pernicioso. As referências incorretas voltadas para o exterior num desprezo dos valores autóctones acarretam danos irreversíveis.
A adoção de suportes referenciais do país como a arte pré-colombiana pouco aparece entre os artistas contemporâneos. É uma desqualificação subliminar adquirida ao longo dos anos. Como ir de encontro a esse processo que vira as costas para uma latinidade riquíssima? e se curva perante uma dominação de fora para dentro. Há um tipo de “arte” chamativa ou própria das republicas das bananas voltada para o exotismo, moldado em gosto duvidoso para estrangeiro ver. A arte é um segmento vital e não pode ser controlado por sistemas. O fazer artístico não é isolado. É preciso que críticos, professores, marchand, gerenciadores, curadores, autoridades estejam ligados a uma economia fortifique a produção da arte. 

Após visitar toda a parte histórica e admirar os casarios floridos e a diferenciada culinária. Complementei minha estada indo aos museus e a procurar artesanatos de regionais de qualidade. Por sorte esbarrei com uma bela cadela dálmata que sem perceber. Diante das festas, lambidas, pulos, carícias à dona da perra se aproximou e me pediu desculpas pelo incomodo. Mediante esse assédio descobrimos ter uma afinidade em comum ambos estávamos atrelados à arte. Norma Isabel Uparela representante de artistas colombianos. Proprietária de um escritório “ArtCartagena” a poucos metros do meu hotel. Apresentei-me como crítico e de imediato recebi o convite para conhecer algumas referências da arte Colombiana.  O encontro se deu alguns dias depois, gentilmente foi me apanhar no hotel.
Partes de umas significativas obras de artistas me foram mostradas com uma descrição detalhista. Fora dos “padrões” da América Latina onde a prepotência da cultura externa está presente e traz sequelas.  É sabido e comprovado como funciona o aval de ser um artista contemporâneo, na maioria obedecendo a um gosto gerenciado. A arte imediatista sem conteúdo e que só visa o lucro em face do modismo e amplamente posta em pratica pelo circuito da arte.

Conheci a obra de Alfredo Piñeres artista autodidata reconhecido como um expoente da arte popular na Colômbia. De família pobre e infância pobre imigrou para a cidade em face do campo não lhe oferecer condições. Um artista nato começou na faixa dos 40 anos. Hoje é o pintor dos cartageneros. Hoje artista assumido tem uma figuração em que retrata todas as nuances do seu povo e vive da sua arte. A recordação da sua infância é tema também para sua obra, sua família, seus amigos, vizinhos e acontecimentos significativos da sua vida.   Pedro Ruiz como uma figuração onde predomina o belo se engaja em um figurativismo lírico e ao mesmo tempo doloroso, pois denuncia com suas composições elaboradas e detalhistas questões como o desmatamento, o êxodo, o plantio da papoula e o seu visual nas múltiplas interpretações. “Oro Espiritu y Naturaliza de um Territórios” é outra visão da Colômbia. Ruiz adentra para instalações onde o seu estilo é de imediato reconhecido. Há um paralelo entre o seu preciosismo e detalhes nas suas composições em tela sobre tinta e o engajamento em outros suportes como desenhos, colagens e instalações.

 Na visita ao Museu de Arte Moderna de Cartagena conheci in loco as obras de Ofélia Rodríguez - artista original e legitimada inclusive no exterior. Sua obra remete-nos de imediato à cultura colombiana. Desde ensembles de pinturas, colagens, objetos. Suas obras anexam objetos do cotidiano que integram um espaço com cores fortes.   O figurativo, geométrico, a ilusão e as múltiplas representações acenam para uma artista fincada na atual produção da arte contemporânea sempre com sinalizações do seu país. Tanto a arte popular quanto as influências de escolas conceitualistas como o Dada integram sua obra. Sua formação inicial foi na Colômbia e nos Estados Unidos o que lhe proporcionou contato com uma variedade de praticas artística e a pôs em contato com espaços e profissionais renomados.

É notório que a modernidade de países mais desenvolvidos sofreu fortes influências da arte pré-colombiana e africana. Os sistemas de arte nos diferentes países latinos americanos necessitam ser revistos para que se possa mostrar os reais valores e contribuições dessa arte em todo o mundo.