domingo, 21 de setembro de 2014

O SÉCULO QUE VIVEMOS E SUAS IDIOSSINCRASIAS

Se a mídia funciona como instrumento de estimulação e de legitimação hedonistas, contribui, paralelamente, para destilar uma situação de insegurança, amplificando os temores cotidianos: medo alimentar, medo de vírus, da pedofilia, da obesidade, da violência urbana, da poluição. Quando liberado da sujeição ao coletivo, o indivíduo acha-se cada vez mais submetido aos poderes do medo e da inquietude:
Pelo sensacionalismo, a mídia constitui uma extraordinária caixa de ressonância dos perigos que planam sobre nossas existências. Por um lado, a mídia mergulha no lúdico e nas distrações superficiais; por outro lado, não pára de intensificar as imagens de um mundo repleto de catástrofes e de perigos. (LIPOVETSKY, 2004: 76-77).
As grandes mobilizações de caráter emocional só podem ser compreendidas se vinculadas ao triunfo dos valores hedonistas, lúdicos e psicológicos amplamente veiculados pelos sistemas de comunicação (LIPOVETSKY, 2004). Para estes, a espontaneidade dos afetos, a vida no presente e a liberdade nos engajamentos adquiriram uma legitimidade de massa.

Um "manual" de instruções para as escolhas

O indivíduo moderno precisa de boas razões para seguir seu Deus e suas crenças, afirma Chagas. No entanto, além dos diferentes deuses e crenças religiosas de que dispomos, hoje, como medidas paliativas para nosso mal-estar, temos inúmeras outras ofertas de orientação para a vida. Elas determinam o que devemos fazer para evitar medos, incertezas e insuficiências. "Elas oferecem, além de outras coisas, a quem procura o auto-conhecimento, a receita da felicidade plena, 'aqui e agora', 'na Terra'." (CHAGAS, 2001:25).
Em relação à reflexividade constituinte da sociedade moderna, consideremos, como explica Giddens (2002), que o indivíduo vive uma biografia reflexivamente organizada em termos do fluxo de informações sociais e psicológicas sobre os possíveis modos de vida. A modernidade representa uma ordem pós-tradicional que suscita constantes decisões sobre o comportamento, representadas por questões referentes ao que vestir ou ao que comer, por exemplo. Essas decisões fazem referência à auto-identidade. Giddens alerta para a consciência relativa que a identidade do eu pressupõe: é aquilo de que o indivíduo está consciente no termo "autoconsciência". A auto-identidade é algo que deve ser criado e sustentado rotineiramente nas atividades reflexivas do indivíduo.
No nível do eu, a escolha funciona como um componente fundamental da atividade cotidiana. Giddens aponta para o fato de que todas as tradições são efetivamente escolhas entre uma gama indeterminada de padrões possíveis de comportamento, mas que, por definição, a tradição, ou os hábitos estabelecidos, ordena a vida dentro de canais relativamente fixos. O indivíduo deve fazer escolhas referentes a seu estilo de vida , é obrigado a fazê-lo. Cada uma das decisões que uma pessoa toma diariamente contribui para as rotinas que determinam estilos de vida. Todas as escolhas são decisões não só sobre como agir, mas também sobre quem ser.
Padrões gerais de estilo de vida são menos diversos que a pluralidade de escolhas disponíveis nas decisões diárias e mesmo nas decisões estratégicas de prazo mais longo (GIDDENS, 2002). Um estilo de vida envolve um conjunto de hábitos e orientações, tendo determinada unidade que liga as opções em um padrão mais ou menos ordenado. Estando comprometido com determinado estilo de vida, o indivíduo necessariamente avalia várias opções como inadequadas a ele, da mesma forma que julga os outros com quem interage. Além disso, a seleção ou criação de estilos de vida é influenciada por pressões de grupos e completadopela visibilidade de modelos, assim como pelas circunstâncias socioeconômicas. Como envelhecer melhor, dormir melhor, relaxar e comer melhor são questões apontadas por Lipovetsky como solucionáveis pelos mais variados livros que funcionam como guias para um indivíduo que quer soluções eficazes e técnicas para os diversos problemas e questões da vida.
Como descreve Chagas, o sujeito moderno tem o desejo de ser o único e o melhor de todos. Essa é uma crítica que, de certa forma, acompanha o raciocínio de Bauman e Giddens. Ora, se cada indivíduo tem a ambição de ser o melhor e se o discurso de auto-ajuda alimenta essa ilusão, inevitavelmente verificamos a ineficácia dessa promessa, já que, obviamente, nem todos podem ocupar posições vantajosas, pelo menos não a todo o mundo e em qualquer âmbito.
O surgimento de novos estilos de vida afeta a produção, o trabalho e o cotidiano de cada indivíduo. Os valores se transformam e tornam obsoleto para hoje aquilo que valia ontem, da mesma forma que o futuro próximo pode desmerecer aquilo que valorizamos agora.