quinta-feira, 3 de novembro de 2011

CULTURA DE CRISE OU CRISE DE CULTURA?

Por Rafael Azzi*
É consenso que vivemos atualmente uma crise do capitalismo e de seus valores. Então, é preciso entender melhor como funciona esse sistema, suas vantagens, suas desvantagens e sua história, a fim de buscar possíveis saídas para os problemas surgidos.
O sistema capitalista nasce em oposição ao antigo sistema aristocrático no qual as pessoas eram diferenciadas por seu nascimento. No sistema antigo, poderia-se nascer nobre, rico e cheio de privilégios ou nascer plebeu e sem direitos. Dificilmente essa situação mudaria ao longo de sua vida ou na de seus descendentes.
O sistema capitalista surgiu em oposição a esse velho modelo e trouxe à tona duas noções admiráveis: o trabalho e o mérito.
Teoricamente, no sistema capitalista todos nascem com iguais condições de serem bem sucedidos. Aquele que trabalhar e produzir mais pode subir na escala social e se tornar um vencedor. O mérito é o que diferencia quem sobe e quem desce. “Vence quem trabalha duro” é um dos pilares do pensamento capitalista.
Se isso já foi verdade algum dia, hoje não é mais, e este é o principal problema da crise. O sistema se transformou, e hoje o capital conseguiu se desvincular justamente dos dois formidáveis conceitos que o sustentavam, o trabalho e o mérito.
O problema da crise pode ser resumido em um simples lema: “faça o seu dinheiro trabalhar por você”. Na verdade, esse princípio retira o trabalho da equação do capital. Só os seres humanos podem trabalhar e produzir coisas ou ideias; o dinheiro não pode trabalhar nem produzir nada. Quando você faz o dinheiro “trabalhar”, na verdade está subtraindo da equação elementos como o trabalho, o esforço, a produção e o mérito. O dinheiro não se encontra mais no final da equação (trabalho + mérito = dinheiro), ele toma toda a equação (dinheiro = + dinheiro).
No entanto, isso se mostra falso, pois, como o dinheiro não é capaz de produzir nada sozinho, ele só se reproduz num sistema que tem por base uma única noção: a especulação. Criou-se um mercado bastante complexo no qual dívidas e promessas de lucro são vendidas e revendidas num ritmo alucinante, visando apenas à multiplicação do dinheiro através da multiplicação do risco envolvido. Assim, chegamos a um ponto em que 40% do PIB da maior economia do mundo é representado por um mercado baseado em nada, a não ser na pura especulação. As dívidas são roladas e especuladas com o simples objetivo de multiplicar o dinheiro, sem ter por lastro nenhum aumento de trabalho ou de produção. Mesmo um leigo em economia pode perceber que um sistema que não produz nada não pode se sustentar em longo prazo. Um dia, descobre-se que as fortunas foram construídas baseadas apenas em ar e então as bolhas estouram.
A questão central, portanto, não é a ganância desmedida dos envolvidos, mas o fato de o capital ter se desvinculado totalmente de princípios que lhe davam legitimidade e o sustentavam, como trabalho e produção. No novo sistema, o dinheiro gera mais dinheiro. Mas, como não há aumento da produção ou do trabalho, trata-se de ganho apenas virtual.
Atualmente, o dinheiro parece ser o único valor inquestionável da sociedade, seu único padrão. A melhor medida para dizer se uma sociedade vai bem ou vai mal é o desenvolvimento econômico. Basta que um país tenha dinheiro, não entram em cena questões como a felicidade da população, o respeito ao meio ambiente, os valores democráticos, os direitos humanos ou a possibilidade do desenvolvimento humano dos seus indivíduos.
Observa-se que o que vale para os países parece valer também para as pessoas. Não importa se o sujeito é mau caráter ou não, o importante para a sociedade atual é apenas o valor de sua conta bancária. Nosso único “valor” parece ser o financeiro.
Assim como as pessoas, os governos foram desviados do que é importante e passaram a ser guiados apenas pelo mercado financeiro. A lógica que realmente importa ao governo é a do crescimento econômico. Tal fato gerou uma relação de subserviência entre o poder político e o poder econômico. Desse modo, a democracia deixou de ser o governo do povo, para o povo e pelo povo e passou a ser o governo do dinheiro, para o dinheiro e pelo dinheiro.
Com o sistema financeiro ganhando autonomia e se distanciando das noções de trabalho e mérito, ele se distanciou também dos demais valores humanos. Eis o problema: o sistema se tornou desumano; a nossa sociedade se tornou desumana. Deixamos de nos importar com coisas que são relevantes para o ser humano e só conseguimos enxergar um valor: o monetário


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