segunda-feira, 19 de novembro de 2012

CONTO DE VICENTE DE PERCIA - " O MERGULHO"


O MERGULHO

  
Há muitos sons nos ouvidos. Em especial, aquele vindo das membranas dos esqueletos. São de­savisados e pene­tram nos glóbulos sanguíneos para implantar a angústia. 
Difíceis de serem localizados, pois como em um passo de mágica, movem-se aleatoriamente, para cima e para baixo, ecos soltos entre cordilheiras de largas paredes de pedra marcando o compasso do tempo.
Ocasionalmente, doada a liberdade de nascer, inéditos barulhos são jogados ao nosso redor,  servem de consolo. É o começo invisível dos si­nais que ficarão para sempre, como a marca a fogo feita no couro do gado.
Não se sabe antecipadamente, o número dos sapatos que serão incinerados ou queimados me­lancolicamente, pela morte.
Um lindo menino sorri e pula da ponte do ca­nal de es­me­ral­das, no mar calmo. Gesticula os braços como se fosse uma orquestra. São movi­mentos moderados, alegres, vibran­tes, aparen­temente en­saiados, juntos às vozes das águas que sobem des­compassadas ao céu e caem como no­tas musicais.
Sentado em um dos extremos da ponte, o ve­lho  acompanha aten­to, com sua vista cansada, o banho da juventude, procuran­do reviver aquela certeza de que, sob sua pele, enrugados beijos de amor fo­ram doados. A força visiva dos seus olhos mexe com os espasmos colhidos através da espera; a mes­ma que fez as árvores florescerem e os frutos caí­rem na terra e germinaram.
Seu corpo frágil contrasta com a energia e o ma­labarismo da criança, ao mesmo tempo em que o inspira a pescar recordações. As mãos segu­ram uma bengala para deixá-lo plantado no chão, uma batuta aposentada, fincada no solo, persistente, escrava do seu dono que, durante anos, doou a serena joviali­dade dos deuses pagãos colocada a sua disposição e aos profundos mistérios da sua emoção .
Mergulha com o menino no imaginário, dian­te da alegria, e vê claramente, no fundo do canal, ma­drepérolas brilharem de baixo para cima, subtraindo o olhar, a esperança.
Uma brisa momentânea o faz respirar mais for­te, enche os pulmões com a existência. Volta a si a imagem substituti­va que estava diante dele. Não mais existe o herói .  
As rugas da sua boca desaparecem com um lar­go sorri­so de abstinência e compreensão de ter ti­do a chance de mer­gulhar por anos  e séculos. 
Harmonicamente, reassume seu dever incli­nan­do a cabe­ça para trás da nuca , olhando para o alto nas múltiplas direções dos  pontos cardeais. 
"ENTRELINHAS LITERÁRIAS", SÃO PAULO, BRASI, 2011

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

AS REDES DE DORMIR DO BRASIL


carta de Pero Vaz de Caminha

A hamaca, sendo rede é um invento dos indígenas da América do Sul, cujo nome de origem é denominada pelos indígenas do Brasil de ini. A palavra rede foi empregada pela primeira vez pelo escrivão da frota de Pedro Alvares Cabral — Pero Vaz de Caminha, em carta à Portugal, onde descrevendo a povoação dos Tupiniquins, seus hábitos e costumes, relata a maneira de dormir, daqueles indígenas: "Foram-se lá todos; e andaram entre eles. E segundo depois diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitaina. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede atada com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam". E foram as mulheres dos colonos portugueses que adaptaram a técnica indígena, substituíram o tucum pelo algodão (para render em um tecido mais compacto) e aplicaram varandas e franjas ornamentais. Sua difusão no Nordeste teve a colaboração ativa dos sacerdotes que, espalhando a técnica dos adventícios e entre as gerações que se sucederam tornaram hereditários o artesanato. 

A rede indígena é tecida em cipó e lianas; as mulheres dos colonos portugueses adaptaram a técnica indígena, passando a fazer redes em tecido compacto e com varandas e franjas ornamentais. A rede durante o Brasil Colônia, foi utilizada também como meio de transporte, sendo nelas, carregados por escravos, os colonos e suas famílias em passeios pela cidade e viagens. O folclorista nordestino Luís da Câmara Cascudo no seu ensaio "Rêde-de-Dormir" faz uma apologia a esta peça domésticas integrante da vida cotidiana das gentes do Norte e Nordeste brasileiros, comparando-a com o leito, e enaltecendo as vantagens da rede: "O leito obriga-nos a tomar seu costume, ajeitando-se nêle, procurando o repouso numa sucessão de posições. A rêde toma o nosso feito, contamina-se com os nossos hábitos, repete, dócil e macia a forma do nosso corpo. A cama é hirta, parada, definitiva. A rêde é acolhedora, compreensiva, coleante, acompanha, tépida e brandamente, todos os caprichos da nossa fadiga e as novidades imprevistas do nosso sossêgo. Desloca-se, encessantemente renovada, à solicitação física do cansaço. Entre ela e a cama, há a distância da solidariedade à resignação". 

O legado indígena, no que se refere a artefatos, foi de suma importância para a sobrevivência da sociedade brasileira nos primeiros anos do descobrimento e durante toda a época colonial. A bibliografia é bastante vasta a este respeito, mas nada melhor do que transcrever um trecho da obra de Sérgio Buarque de Holanda, Caminhos e Fronteiras, quando o autor revela a importância da rede na capitania de São Paulo no século dezesseis até hoje: "Ao visitar pela Segunda vez a capitania de São Paulo, tendo entrado pelo Registro da Mantiqueira, Saint-Hilaire impressionou-se com a presença de redes de dormir ou descansar em quase todas as habitações que orlavam o caminho. O apego a esse móvel (...) pareceu-lhe dos característicos notáveis da gente paulista, denunciando pronunciada influência dos índios outrora numerosos na região.

(...) É sabido que o europeu recém-chegado ao Brasil aceitou o costume indígena sem relutância, e há razão para crer que, nos primeiros tempos, esses leitos maneáveis e portáteis constituiriam objeto de ativo intercâmbio com os naturais da terra.

A ARTE COM A PEDRA SABÃO


PEDRA-SABÃO

A pedra-sabão, também conhecida como esteatito, é uma variedade de esteatita, muito usada em Minas Gerais para esculturas e ornatos arquitetônicos.
As pedras-sabão ou pedras-sabões são resistentes, de grande plasticidade, beleza e têm multiplicidade de usos. Sua resistência e sua dureza podem ser comparadas às do mármore, com a vantagem de ser também refratária, suportando temperaturas elevadas.
Tais características fazem dela o material perfeito para uso tanto em áreas externas como em ambientes internos. Não deve, entretanto, ser confundida com a pedra-talco, um material com menor dureza e bastante frágil, utilizada em peças de adorno.
Os primeiros registro da utilização da pedra-sabão na Europa datam do início do século XV. Já naquela época, por sua nobreza e versatilidade, era utilizada para embelezar e decorar palácios, bem como para cozinhar e conservar alimentos.
Nos últimos 20 anos, sua utilização tem crescido nos países frios, na fabricação de fornos domésticos de aquecimento.
No Brasil, imediatamente associamos a pedra-sabão ao Barroco mineiro. Nas mãos de gênios como o mestre maior da pedra-sabão, Antônio Francisco Lisboa, o ALEIJADINHO, ela foi eternizada na forma de objetos ornamentais de igrejas e esculturas únicas!
ESTÁTUA em pedra-sabão do Profeta Daniel com um leão, by Aleijadinho.
CONGONHAS DO CAMPO – Minas Gerais (MG), foto Sérgio Sakall (12/2003).
Nas portadas de igrejas, nos altares, nas fontes, nas imagens, nos brasões, em quase todas as formas de ornamentação do período colonial ela esteve presente. Com tonalidades variando de verde-escuro a nuances mais claros a pedra-sabão é ainda o material preferido pelos artesãos e escultores da região dos Inconfidentes.
Pedra consideravelmente “mole” (o que deu origem ao seu nome) é ideal para escultura e para a liberdade criativa.
A obra mais antiga em pedra-sabão conservada em Cachoeira do Campo parece ser o medalhão que encima a portada principal do Colégio Dom Bosco, antigo Quartel da Cavalaria das Minas. À época da inauguração desse prédio, D. Antônio de Noronha mandou confeccionar o grande medalhão com as armas e a coroa de Portugal. Diz-se que esta também é uma obra de Aleijadinho...
Hoje, a pedra-sabão é explorada em quantidade considerável na região de Santa Rita de Ouro Preto, lugar onde se concentra grande número de artesãos. De lá, ela é exportada para vários lugares, inclusive à Cachoeira do Campo, onde numerosos artesãos dão vida à pedra bruta.
Estes, são tidos entre os mais criativos do gênero! Suas obras já foram apreciadas em vários lugares do mundo. O mesmo mundo que já vem admirando nossas riquezas artesanais, imortalizadas nesta pedra, desde o século XVIII.
Curiosidade: O CRISTO REDENTOR, talvez um dos mais belos cartões-postais do Brasil, também é todo revestido com pastilhas de pedra-sabão! A OPPS – Ouro Preto Pedra Sabão (www.opps.com.br) participou de sua restauração em 1990, fornecendo a pedra e a mão-de-obra.

domingo, 11 de novembro de 2012

POEMA DE VICENTE DE PERCIA - "AGORA"


AGORA

Em pleno o verão o frio chega
e com ele o universo conformado
com a mudança repentina
discorda.

A armadilha do tempo aparece
através da chuva leve,
do vento de hastes sustenidos,
dando de beber em folhas cheias
aos fortes troncos das árvores.

Tudo parece irreal
como os amores que surgem
com as estrelas
- presas facéis dos encontros
entre cheiro de resinas e suores –

Eu gostaria mais do que lembrar de você,
para deixar de andar em círculos,
de cantar em inútil ritmos
de desperdiçar o meu tempo.

A história da tristeza e da alegria
é como o olhar leal do meu cão,
direto.
É como a melodia de Mozart
que se repete com constância
e cria cenários diferentes.

Talvez, não esteja tão perdido
como penso estar.
Talvez, porque acredite
Que você me chamará.

Ouço o murmurio das asas da brisa
como um prelúdio.
do mesmo modo
que em pleno verão
o frio voltou
em um dia de verão.

Vicente de Percia
10 de novembro de 2012



sábado, 3 de novembro de 2012

OS CONFLITOS NÃO TERMINARAM


Suspensão do retirada dos índios que ocuparam Iguatemi “é positiva, mas não resolve o problema”, diz um dos líderes ameaçados de morte

Ameaçado de morte por sua atuação como um dos líderes do povo Guarani-Kaiowá em Mato Grosso do Sul, Elizeu Lopes disse ontem (31) que a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), em São Paulo, de suspender a liminar judicial que poderia resultar na retirada de um grupo de 170 índios de uma fazenda localizada em Iguatemi (MS) não resolve o conflito que afeta várias outras comunidades indígenas sul-mato-grossenses.
“A decisão de ontem [30] foi positiva, mas, para nós, ainda não é um bom resultado. Para nós, a justiça, os governos, estão deixando nossas comunidades abandonadas”, disse Lopes, durante audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, esta manhã, na sede do Conselho Federal de Psicologia.
Segundo Lopes, após décadas esperando que o Estado demarcasse novos territórios indígenas e desse um basta ao grave conflito fundiário entre índios e produtores rurais que se estabeleceram na região ao longo do século passado, os guaranis kaiowás de Mato Grosso do Sul decidiram ocupar e lutar pelas terras que afirmam terem pertencido aos seus antepassados.
“Estamos sofrendo há mais de 30 anos, lutando por nossos territórios, pela nossa terra, acampados a margem de estradas, sem condições de sustentar nossas famílias e ter uma vida tranquila, sem atendimento médico e com nossos filhos tomando água suja e muitas vezes impedidos de estudar. Somos as maiores vítimas da violência e não aguentamos mais. Por isso, decidimos ocupar nossos territórios”, disse Lopes, garantindo que, com a decisão indígena de intensificar a ocupação de terras onde hoje estão instalados grandes produtores de soja, cana-de-açúcar e gado, boa parte deles legitimados pelo Estado, aumentaram os conflitos.
“Fazendeiros continuam nos atacando com seus pistoleiros e não têm mais vergonha de dizer na frente das câmeras que vão derramar ainda mais sangue dos guaranis kaiowás. Mesmo assim, vamos continuar lutando, ocupando nossas terras. Não tem como voltarmos atrás nesta decisão porque já aguardamos muitos anos e não queremos mais promessas nem discursos. Queremos a demarcação de nossos territórios”, concluiu Lopes, descartando a hipótese dos 170 membros da Comunidade Pyelito Kue, em Iguatemi, a cerca de 460 quilômetros da capital sul-matogrossense, Campo Grande, se suicidarem, caso fossem obrigados a deixar os dois hectares da fazenda que pleiteiam como sendo um território tradicional indígena.
Presidente em exercício da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), visitou áreas em conflito no final do ano passado. Na época, fazendeiros chegaram a tentar impedir a comitiva, da qual também faziam parte os deputados petistas Domingos Dutra (MA) e Padre Ton (RO) e agentes da Polícia Federal, de chegar até as áreas ocupadas por grupos indígenas.
“O nível de enfrentamento é intenso e, a nosso ver, não será resolvido sem a participação dos entes públicos, inclusive com mudanças legislativas e a eventual possibilidade de os produtores serem indenizados para deixarem a área”, disse a deputada, informando que a comissão encaminhou à presidenta Dilma Rousseff, uma carta manifestando a preocupação com a situação e pedindo a adoção de medidas que ajudem a resolver os conflitos.
“As soluções e possibilidades só podem ser concretizadas se houver, por parte do governo, a decisão política de resolver o problema. Podemos dizer que há um processo de etnocídio em curso,” disse a deputada.