terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Estética e Experiência Histórica em Walter Benjamin



Para Jeanne Marie Gagnebin, uma das mais reconhecidas e admiradas pesquisadoras da obra de Walter Benjamin, deveríamos resistir à tentação de transformar os escritos do pensador alemão em mais um fetiche, em mais um “bem cultural” circulando em um sistema de consumismo cego, de mera acumulação, cuja lógica esvaziada foi justamente o alvo de um pensamento essencialmente questionador, crítico e subversivo. Gagnebin conversou com o “Pernambuco” sobre o seu mais recente livro, “Limiar, aura e rememoração: ensaios sobre Walter Benjamin”, publicado pela Editora 34, em que aborda temas centrais em Benjamin tais como a escrita, a morte, a transmissão, a atenção e a dispersão, o messianismo e a experiência histórica na modernidade.
De origem suíça, mas residente no Brasil desde 1978, Gagnebin faz parte de uma tradição de estudos benjaminianos brasileiros, reconhecida inclusive na Alemanha, cuja densidade afirma o dever de também tentar “nos ler e nos criticar”, para além de conhecer os demais comentadores de Benjamin. Na entrevista, a pesquisadora critica duramente a produção acadêmica voltada exclusivamente para Currículo Lattes e reafirma o papel central dos professores no despertar intelectual dos novos acadêmicos. Gagnebin é autora dentre outros de “Walter Benjamin: os cacos da história” (Brasiliense, 1982), “História e narração em Walter Benjamin” (Perspectiva, 1994), “Sete aulas sobre linguagem, memória e história” (Imago, 1997) e “Lembrar escrever esquecer” (Editora 34, 2006).
São muitas questões juntas! As obras de Walter Benjamin demoraram a cair no domínio público porque ele morreu durante a Segunda Guerra: são 70 anos de prazo depois da morte, neste caso. Até o fim de 2010, a Editora Suhrkamp, em Frankfurt, detinha os direitos autorais sobre obra e traduções, exigindo que todas obras de Benjamin fossem traduzidas segundo e seguindo a ordem das Gesammelte Schriftendessa editora (“Escritos reunidos” – não são “Obras completas” porque muita coisa se perdeu e talvez possa ser encontrada ainda!). Isso complicou muito as traduções. Em Portugal, João Barrento traduziu muitos desses volumes, republicados hoje na Editora Autêntica.
São boas traduções, mas seguem essa ordem imposta pela Editora Suhrkamp, que não é necessariamente a mais sensata. A partir de janeiro de 2011, temos um “boom” de traduções de W. Benjamin no Brasil. De maneira desconectada, repetindo textos, muitas vezes. É estranho que não se consiga chegar a um acordo, mas esse é um problema maior: o de uma discussão intelectual maior entre os vários pesquisadores e tradutores de Benjamin. Pessoalmente, tento ajudar na edição crítica empreendida pela Editora 34. O próximo volume deve trazer textos ligados à filosofia da história, com notas críticas. A Editora Brasiliense está tentando reeditar os três volumes pioneiros publicados nos anos 80 com revisões. Infelizmente, até agora, me parece que essa revisão poderia ter ficado mais cuidadosa.
Pessoalmente, gostaria muito de ver uma tradução literária bonita tanto da Infância em Berlim por volta de 1900 como do primeiro esboço desse texto, a Crônica berlinense. E também da Correspondência de Benjamin, mas isso demora muito.
Devemos cuidar para não cair nem no extremo do valor mercadológico de obras conhecidas (há, por exemplo, duas edições recentes da segunda versão, finalmente reencontrada no arquivo Max Horkheimer, do ensaio sobre “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”, me parece demais!) nem no outro extremo: a erudição pela erudição. É imprescindível tentar sempre fazer traduções anotadas que indicam o contexto político e histórico dos textos. Em suma: tentar não transformar Benjamin em mais um fetiche cultural, mas cuidar do aspecto questionador, inquieto, sim, subversivo do seu pensamento. Todo seu pensamento lutou contra essa fetichização da cultura e da escrita.