sábado, 25 de julho de 2015

CONTRADIÇÕES

Cada período histórico elabora uma visão particular de mundo. Quando se trata de algo formal, sistemático e que estrutura a própria sociedade, podemos chamar essa visão de ideologia. As manifestações culturais e artísticas escapam à rigidez dos enquadramentos ideológicos. No entanto, artistas e intelectuais compartilham formas e métodos de captar os movimentos da atualidade, mesmo ao investigar o passado. Raymond Williams chamou de “estrutura de sentimento” esse modo dinâmico de perceber o mundo pelas artes. O conceito de Williams guarda semelhanças importantes com a noção de “consciência” de Antonio Candido, formulada no ensaio “Literatura e subdesenvolvimento”.
Na atual globalização, o Brasil mantém firme na ideologia da modernização conservadora, concebida no século XIX e que sobrevive aos mais distintos ocupantes do poder. Não é o mesmo caminho da modernidade, com emancipação e igualdade. Os brasileiros ainda tentam superar, pelo liberalismo, o que pensam ser o atraso nacional. Para Raymundo Faoro, a modernização é a grande questão nacional do Brasil. O contraponto a essa ideologia aparece nas “estruturas de sentimento” que, por meio das artes, dão uma visão mais apurada da atualidade e captam as oscilações do presente. Movimentos estes que demoram a ser percebidos e aparecem em romances, músicas e filmes.
Antonio Candido identificou três momentos históricos da consciência brasileira. O nascimento do Brasil, após a independência em 1822, possibilitou o surgimento de uma “consciência amena do atraso” para dar suporte à idéia de “país novo”, recém separado de Portugal. Os autores românticos se empenharam em elaborar um passado patriótico e esperançoso em relação ao futuro. A figura do índio predominava em romances e poemas, em detrimento do negro que era proscrito na sociedade imperial e escravista. Era uma base simbólica para criar uma nação sem negros. Na Europa, ocorria movimento similar de criação de representações históricas por meio da literatura.
Nos anos 1920 e 1930, emergiu uma segunda consciência. A literatura regionalista do Nordeste (Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, José Lins do Rego) e o ensaísmo social reconhecem a complexidade do atraso no Brasil. Na visão de Sérgio Buarque de Holanda, tratava-se de conhecer a “herança rural” e o arcaísmo que travam a nação e devem ser superados. Para Gilberto Freyre, a sociedade se desenvolveria pela miscigenação racial, gerando “democracia social”. A aproximação da literatura e do ensaio era grande, a ponto de o autor de Casa Grande & Senzala falar da necessidade de “introspecção proustiana” para quem fosse analisar a família patriarcal brasileira.
Os anos 1950, após a Segunda Guerra Mundial, trouxeram a “consciência dilacerada do subdesenvolvimento”. Trata-se da formulação de uma identidade que rendeu bons frutos na política e nas artes. Autores como Guimarães Rosa e Juan Rulfo ultrapassam o naturalismo do romance social de décadas anteriores e alcançam uma perspectiva latino-americana. Coincidem com as obras regionalistas/universais as grandes interpretações do período. Celso Furtado teorizou o subdesenvolvimento no final daquela década, enfatizando as relações dos países centrais do capitalismo e nações periféricas. Nestas, lançou-se o ideário da possível ultrapassagem do atraso na América Latina.

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