segunda-feira, 26 de agosto de 2013

HORA DE RELER CAMUS



Estado de Minas: 25/08/2013 - Afonso Romano de Santanna


Pena que não guardei aquele trabalho de estágio sobre A peste, de Albert Camus! Não que fosse algo a ser salvo, mas poderia voltar aos tempos em que a Faculdade de Filosofia funcionava nos três últimos andares do Edifício Acaiaca. Veria as anotações do monsieur Sonal e meu esforço para apreender o pensamento do escritor. Camus havia morrido uns dois anos antes, em 1960, num desastre de carro. Encontram no seu bolso um bilhete de trem para Paris. Misteriosamente, ele decidiu, no último momento, viajar de carro com seu editor, Michel Gallimard. Ambos morreram ali, em Villabrevin, quando o pneu estourou e foram jogados contra uma árvore.
Agora celebra-se o centenário de Albert Camus. Não apenas volto às aulas de francês, e, lembrando-me de Consuelo, Melânia, Ruth, Marcos, Heloísa e Ana Maria, vou me indagando: où sont les neiges d’antam? Regressando ao passado (que não passa e sempre me trespassa), vejo-me, de repente, diante da sepultura de Camus, em Lourmarin.
Deu-se que em 1981 fui residir em Aix-en-Provence para lecionar literatura brasileira. Num fim de semana, saí com a família vadiando de carro pelas estradas da Provence. Foi um momento de perfeição, como só se vê em filmes americanos. E passamos por Fontaine-de-Vaucluse, onde viveu Petrarca. (Não é todo dia que alguém que cresceu em Juiz de Fora pode andar onde andou Petrarca. Há que parar e beijar o chão. Coisas maravilhosas e imprevistas têm acontecido na minha vida. Num poema, até anotei que dormi no mesmo castelo de Gargonza onde Dante se abrigou, fugindo dos gibelinos.)
O carro ia serenamente por aquelas estradas, quando, na região de Luberon, vi o aviso de que era por ali o castelo onde viveu o Marquês de Sade. Claro que fomos ao castelo. Mas uma coisa chamou a minha atenção de antigo aluno de letras neolatinas: em algum lugar, vi um sinal de que em Lourmarin estava a sepultura de Albert Camus.
Não se pode evitar a morte, mas podem-se visitar alguns sepulcros enquanto é tempo. Então, tomei a direção de cemitério de Lourmarin. Esperava encontrar uma sepultura portentosa, afinal Camus havia ganhado o Prêmio Nobel e dividia com Sartre as honras de ser um filósofo imprescindível. Seu ensaio O mito de Sísifo, sobre o absurdo que tem que ser combatido com o próprio absurdo, é leitura sempre recomendável.
Pois chego lá e encontro uma sepultura pobrinha, largada, quase miserável. Devo ter alguma fotografia desse não evento. Até as filhas ficaram decepcionadas. Mas dei por cumprida minha missão.
Agora é centenário de Albert Camus. A imprensa brasileira ainda não descobriu isso, mas na França as comemorações já começaram. O ex-presidente Sarkosy tentou até levar os restos de Camus para o Pantheon, em Paris. (Na França, literatura é uma religião, e os escritores são santos.) Mas a tumba de Camus continua lá na cidade que ele escolheu para viver.
Se ele contemplou aquela natureza repousante apenas por dois anos, ali, em Lourmarin, fizeram uma exposição comemorativa que contrasta com a pobreza de sua sepultura. Edições de luxo de suas obras, os livros que dedicou aos colegas escritores, sua vida rediviva.
Camus viveu as turbulências de seu século: foi comunista e anticomunista, nasceu na Argélia, mas defendeu a política do governo francês, viveu a ocupação alemã da França e era pacifista. Casou-se duas vezes e achava o casamento antinatural. Ator de teatro, jogador de futebol, tinha aquela pose de Humphrey Bogart.
Façam o seguinte: leiam A peste, estória da cidade vítima de uma enfermidade devastadora, e vejam o que seus habitantes faziam para enfrentar essa calamidade.
Nem sempre a “peste” é tão visível. Cada época tem a “peste”que merece.

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