A música aborigen não é muito conhecida, entre outras razões por causa de que o próprio território do Brasil ainda não foi explorado inteiramente. Com exceção de algumas dança nas que parece dominar o elemento indígena ( como a catereté ou catira), esta música só é viva nas regiões de acesso difícil; nos centros de população da costa, cedeu o passo ao elemento negro, que deu à música brasileira seu ardor e sua riqueza rítmica inigualable, bem como sua percussão extremamente variada: atabaques (tambores), marimba, carracas, cuica, ganza ou xaque-xaque, e reco-reco, etc. Se a catira reflete a música indígena, se a modinha bem como certas toadas evocam a nostálgica saudade (solidão, no sentido espiritual) dos portugueses, quase todo o resto da música popular revela mais ou menos a música negra, se trate de manifestações de tipo individual (o candombé, o xangó e a macumba conservam, como o maracatú, o reisado e a congada, seu caráter litúrgico ou dramático; o batuque, o coco e o lundú são mas netamente coreográficos) ou de formas que combinam diferentes elementos culturais: choro, marcha, maxixe, samba.
Os primeiros músicos europeus foram os jesuitas, estabelecidos em Baía (antiga capital da colônia) desde 1549. O PP. Antonio Rodríguez e Antonio Dias asseguraram o ensino musical no século XVI; o P. Diego Dá Costa continuou sua obra no século seguinte. Seu domínio (a “fazenda” de Santa Cruz, cerca de Rio de Janeiro) comportava no século XVII, um verdadeiro conservatorio. A “capitanía” (hoje Estado) de Minas Geraes foi também, por esta época, o centro de uma atividade musical surpreendente, no que não somente compunham obras notáveis os artistas locais, senão onde também se estava muito a par das atividades europeias; conservam-se obras de câmera de Haydn, Pleyel e Boccherini copiadas poucos anos após sua composição. Um dado que há que reter é que compositores e ejecutantes eram negros ou mestizos. José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, os dois Coelho Neto (pai e filho), Ignacio Pereira Neves e Francisco Gomes de Rocha pertencem todos à escola de Minas Geraes e floresceram na segunda metade do século XVIII. O que se conserva de suas obras foi salvado por Francisco Curt Langue: o forte e magnífico papel sobre o que se copiava a música era ideal para conter a pólvora dos fogos artificiais, e a pirotecnia local consumia já uma grande parte dos arquivos.
O músico mas importante deste período é também um compositor de cor, o P. José Mauricio Nunes Garcia (Rio de Janeiro 1767-1830), que começou a compor muito jovem e que nomeado maestro de capela em Rio já em 1798, compartilhou com Marcos Portugal os favores do corte. O compositor e pianista Sigismundo Neukomm (1778-1868), aluno de Haydn, permaneceu no Brasil durante um lustro (1816-1821). Francisco Manuel de Silva (Rio de Janeiro 1795-1865), aluno de Nunes Garcia, reflete a mudança do gosto musical: autor, como seu maestro, de música religiosa, compôs uma ópera, música de salão e inclusive a do hino nacional (1831).
Os compositores da geração seguinte inclinam-se determinadamente para a ópera: Elias Álvares Lobo (1834-1901), Domingos José Ferreira (1837-1916), Enrique Alves de Mesquita (1838-1901), discípulo de Bazin em Paris. O mais importante de todos é António Carlos Gomes (Campinas, Sao Paulo, 1836-Belem, 1896). Carlos Gomes foi discípulo de seu pai, Manuel José Gomes, discípulo a sua vez do compositor português Gomes da Silva. Consagrado à composição apesar da oposição paterna, o sucesso de Joana de Flandres (1863), onde, apesar do tema, se adverte já verdadeiro tom “brasileiro” que não será confirmado por todas suas obras ulteriores, lhe conseguiu uma bolsa de estudos. Em 1864 marchou a Milão, onde trabalhou com Lauro Rossi, e alguns sucessos locais foram coroados por Il Guarany , interpretado na Scala em 1870. Algumas obras, diversamente escolhidas e algumas viagens ao país natal precederam os últimos sucessos: O Schiavo (Rio de Janeiro, 1889), Condor (Scala de Milão, 1891) e a cantata Colombo (1892), que completaram a produção deste primeiro músico da América que conheceu uma celebridade mundial.
Enquanto, vários compositores de grande mérito preparavam o caminho ao futuro nacionalismo musical, que iam criar uma linguagem autenticamente brasileira. Brasilio Itibere dá Cunha, cuja rapsodia Sertaneja (1860) era já uma fusão feliz entre as técnicas cosmopolitas e a expressão das essências populares: em uma constante evocación de temas e ritmos brasileiros desfilam nesta obra uma lánguida modinha e a conhecida canção Balaio, meu bem, balaio..., elaborada com a técnica e virtuosística da escola romântica. No mesmo ano nascem dois compositores de alto voo, educados na tradição escolástica europeia, cujas contribuições ao nacionalismo musical fizeram época: Alexandre Levy (1864-1892) e Alberto Nepomuceno (1864-1920), que Mario de Andrade chama “as primeiras conformações eruditas do novo estado de consciência coletiva que se estava formando”. Para isso era forçada, como no caso de todos os nacionalismos musicais, a fixação prévia da música popular, que constitui o chão nutritivo obrigatório para que possa ser originado e florescer uma arte musical de caraterísticas nacionais. A nacionalización por médio da temática popular foi o que tentaram Alexandre Levy e Alberto Nepomuceno. Aparte do delicioso Tango brasileiro e a Variacoes sobre um tema brasileiro, Levy realizou uma importante estilización orquestal de motivos folklóricos em seu Suit brasileira, de quatro movimentos. A figura de Nepomuceno ainda ressalta mais por sua fecunda atividade na vida musical do país, como catedrático e, posteriormente, diretor do Instituto Nacional de Música, organizador, divulgador da obra wagneriana e propugnador do emprego do português na interpretação das obras vocais. Em sua produção abordou os principais gêneros da grande tradição clássica. Destaca entre suas obras nacionalistas a Série brasileira, em cujo último movimento há uma brilhante evocación dos ritmos característicos do batuque. A este grupo pertencem também Francisco Braga (1868-1945), diretor da Sociedade de Concertos Sinfónicos e “sinfonista de recursos, claro e brilhante”, a quem se deve, entre outras obras, um Trio com piano, em cuja parte central aparece um lundú; o poema Marabá e a ópera Jupira, ambas produções inspiradas em episódios indobrasileños; Francisco Vale, o qual se aderiu ao nacionalismo, ao final de sua carreira, com o poema sinfónico Depois dá Guerra e a suite orquestal Dançado de Rocha; e J.A. Barroso Neto (1881-1941), cujas composições Minha terra, Cachimbando e Choro para piano, etc., “revelam um temperamento lírico e apasionado, cujas melodias têm sempre frescor e traduzem impressões íntimas e #sutil”. Outros compositores populares que contribuíram à cristalização da tendência nacionalista foram Ernesto Nazareth, “o pai do novo movimento popular”; Heitor Vila-Lobos, quem dedicou-lhe seus primeiros choros para guitarra e utilizou materiais musicais seus em seu Choros VIII e no Nonetto, chamou-o “uma verdadeira encarnación da alma musical brasileira, quem transmite, de um modo admirável, espontâneo, as emoções vivas de um determinado povo, cujo caráter apresenta tipicamente em sua música”. Com um talento ao Chopin, transportou ao piano toda a riqueza instrumental do choro, criou a forma salonesca do tango brasileiro, experimentou com o choro (desenvolvido posteriormente por Vila-Lobos), e deixou uma notável série de landús , valses, polcas e maxixes, de grande nobreza melódica, elegancia na escritura pianística e intrincados jogos rítmicos.
O nacionalismo musical moderno. Estas tendências dispersas foram elevadas a uma categoria representativa por Heitor Vila-Lobos (1887-1959), ao qual se deve o mérito histórico de haver cimentado, para sua pátria e o mundo inteiro, a consciência nacional dos compositores brasileiros. Sua produção musical -que compreende todos os gêneros em todas as combinações vocais e instrumentais imaginables- é um gigantesco crisol em que se funde a tonalidad do volume musical acumulado no Brasil através de um processo secular de amalgama das diversas contribuições étnico-musicais. As vertiginosas e misteriosas forças e a poesia selvagem e tensa das selvas impenetráveis (o poema-balida Amazonas) estão plasmadas com tanta veemência sugestiva como as sobrevivências fetichistas da herança negra (Dansas africanas). Os problemas mais difíceis do virtuosismo pianístico (Rude Poema) acham-se resolvidos com tanta soltura como a evocación, em um moderno estilo muito complexo, das baratas melodias salonescas popularizadas e “brasileñizadas” pelos conjuntos de rua (Choros). O talento multifacético do compositor permite-lhe expressar-se, já com ternura infantil, já no estilo da grande tradição clássica ou impresionista. Não há problema que o compositor não resolva com uma agilidade e ingenuidad espantosas, tanto quando se propõe escrever óperas, poemas sinfónicos, coros, canções, concertos e música de câmera, como quando aborda o gênero profano ou sacro. Concebe com a mesma facilidade estruturações formais de grande extensão, como se expressa em formas condensadas até o incrível; seu Nonetto para orquestra de câmera e coro (1923) é um verdadeiro panorama geográfico em miniatura do Brasil musical, em que aparecem em rápida visão elementos tão antagónicos como os gritos estridentes dos animais selvagens, os ritmos obtidos dos percutores africanos, um tango de Nazareth e a languidez do canto indobrasileño. Com sensibilidade e técnica diferentes, três compositores abriram novas portas à estilización das fontes populares, para a qual também teve grande importância a fecunda labor do folklorista Luciano Gallet, e conquistaram um prestígio continental. Oscar Lorenzo Fernández (1897-1948) e Francisco Mignone, nascido em 1897, representam novas modalidades do nacionalismo brasileiro por médio de uma abundante produção musical. Ambos são talentos líricos, cuja escritura é de um colorido ardente.
O mais jovem deste grupo de novos prestígios é Camargo Guarnieri (1907-1993), cujo “brasileñismo” musical trata com maior decisão de rehuir os perigos do mero pintoresquismo. Mediante o uso #sutil do trabalho polifónico, tenta converter os elementos folklóricos em sólida base construtiva, dinâmica e ágil ao mesmo tempo de sua produção, da qual destacam particularmente várias Toadas, de deliciosa melancolia; várias sinfonias; uma Sonatina para piano, magistralmente elaborada; uma Sonata para violoncelo e duas pára violín, ambas com piano; um Concerto para piano e orquestra, e muitas canções e peças para piano.
Da mesma geração que Camargo Guarnieri, Radamés Gnattali, é figura destacada no campo da música de concerto e no da popular. Entre suas numerosas obras merecem mencionar-se uma Sonata para piano, Três movimentos, para orquestra de cordas, piano e tímpano, dois concertos e Brasiliana, obra sinfónica. Outro compositor notável é Claudio Santoro (N. Em 1919), compositor que após haver escrito obras netamente dodecafónicas busca uma maneira de se expressar mais espontânea e simples. Na atualidade escreve música de caráter nacional como em sua obra Brasília . Uma sinfonia assim mesmo titulada Brasília escreveu o compositor César Guerrat-Peixe (1914), ex dodecafonista e antigo discípulo de Hans Joachim Koellreutter como Claudio Santoro, que também como este último se aderiu mais tarde à estética nacionalista.
Outros músicos destacados são José Sequer (1907), Fructuoso Vianna (1896), Brasilio Itibere (1896), Walter Deboche-Marx (1902), Luis Cosme (1908) e Joao de Souza Lima (1898). Entre os intérpretes há que mencionar o diretor de orquestra Eleazar de Carvalho, os pianistas Guiomar Novaes, Magdalena Tagliaferro, Yara Barnette, Arnaldo Estrela, Jacques Klein, Heitor Alimonda, Nelson Freire, Joao Carlos Martins, o violinista Oscar Bergerth, e o violonchelista Ibere Gomes Grosso.